esquecimento
a música existe se não estivermos presentes? o esquecimento existe sem memória?
o som de um pássaro a cantar, das árvores a baterem com a força do vento transmitem-nos calma, tranquilidade, boas energias, mas não são música. a música é fruto de um trabalho consciente diz-nos igor stravinsky em ‘poética musical’. o esquecimento é também consciente, sem essa perceção ele simplesmente não existe. recordo-me de ser pequena e de lidar constantemente com o esquecimento, de pensar que conseguiria contrariar isso se algo realmente especial acontecesse. dizia para mim mesma “nunca mais vou esquecer este dia”, mas nos dias seguintes dava comigo a tentar recordar sem sucesso do sucedido. com o meu crescimento a memória foi ganhando outros contornos, outra consistência. os limites eram testados de exame em exame, nas aulas de música, nas discussões e nas argumentações.
mas o que é que acontece quando falha a memória? o que é que acontece quando há a consciência dessa falha? o espaço existe, mas está vazio. a consciência de que algo deixou de ser o que era. essas falhas são o esquecimento.
podemos dizer que o esquecimento é a forma sem o conteúdo. a forma sem uma razão aparente, desconectada, suspensa. a forma é a referência para a consciência do esquecimento, é o motor para uma outra viagem, outras vidas, outras histórias,... ampliando a escala, a forma pode ser também entendida como o território, o palco de toda a ação. o esquecimento é assim o lugar onde estamos ou estivemos, ou melhor, somos nós mesmos nesse lugar. o esquecimento são as fotografias que não tiramos, são a atenção que não tivemos, são o que não carregamos connosco. são o que vamos deitando fora, são o desperdício, o que não é reciclado, o que não possui valor, o que existe não existindo. são o que mais há de cada um de nós. e assim, o esquecimento existe enquanto lugar, enquanto matéria.