pré-projeto
Tema: O corpo como um corpo-objeto provido de consciência/ alma.
Título: Rotação Difusa
Palavras-chave: corpo/ consciência, corpo consciente, tempo, visão/ tato, escultura cega
Sinopse:
O registo videográfico da ação torna-se necessário, pois a ação nasce na intimidade e vive nela, logo a ação é trazida e mostrada ao espetador por intermédio do vídeo, acentuando não só a delicadeza da ação, mas o tempo dado à mesma. O tempo passado em torno do corpo, transforma-se na medida da atenção sobre o corpo-objeto, na importância dada pelo artista a este corpo que possui consciência. A delicadeza do movimento é expandida por segundos e minutos, transmitindo-se assim a ideia de infinidade num movimento cíclico e delicado, perpetuado por repetições infindáveis. O barro, onde vai sendo modelado o que o corpo apreende sobre si próprio, através do tato, é usado como meio de registo, como máquina fotográfica, como bloco de notas, como mapa. É no barro que se escreve o que os dedos leem na pele que percorrem.
O conceito de rotação difusa, define o movimento de um corpo sobre si mesmo e, neste caso, define um movimento dilatado, espalhado, um movimento onde o corpo se espalha sobre si próprio, ao invés de seguir um trajeto restrito, limitado, um movimento potenciador de um autoconhecimento mais abrangente. Esta difusão do movimento acontece pelo deambular dos dedos sobre a pele que, desprovidos da visão, procuram autonomamente um reconhecimento identitário.
Desenvolvimento
Partindo da leitura de Merleau-Ponty do dualismo cartesiano é possível começar a edificar um pensamento que redefina a divisão entre corpo e alma, entre psicológico e fisiológico. Se para Descartes, as informações recolhidas pelos sentidos, só são validas após as analisarmos racionalmente, o que torna clara a subordinação do corpo à mente, Merleau-Ponty, recoloca esta certeza da existência que Descartes coloca no pensamento, no corpo. Para Merleau- Ponty o corpo é a condição e a base para a existência. A construção do nosso conhecimento, dá-se pelo ‘corpo próprio’, por um corpo consciente. A grande diferença aqui entre a filosofia cartesiana e a de Merleau- Ponty, é que enquanto Descartes separa corpo e mente, criando um dualismo, onde o primeiro pertence ao mundo material, e a mente que pertence ao mundo espiritual, respetivamente, ao mundo sensível e inteligível, segundo o dualismo platónico, Merleau-Ponty anula essa separação e falamos de um corpo consciente. É este corpo consciente que este trabalho pretende colocar a descoberto.
O corpo torna-se assim a tónica do projeto, um corpo uno, que contempla em si características materiais e imateriais. É este corpo-objeto que vive nas imagens gravadas. Um corpo provido da capacidade de construir um conhecimento sobre si próprio e por si próprio, um corpo capaz de criar uma identidade, autonomamente. É a procura de anular a racionalização que Descartes diz necessária à construção da verdade, que justifica a anulação da visão do artista. Apesar de segundo o dualismo cartesiano corpo- mente, a visão funcionar como qualquer outro sentido do corpo, é aqui entendido pelo artista como um sentido mais próximo da mente, da racionalização, enquanto o tato, é visto como o sentido mais sensível, menos racional. É esta a premissa que leva o artista a guiar-se pelo tato, e não pela visão, a conhecer a pele, pela pele.
A materialização destes pensamentos dá-se em momentos de intimidade, não para isolar o corpo do mundo que o rodeia, mas para centralizar a atenção deste, em si próprio. Desta forma, momentaneamente, o corpo expande-se sobre e sob si mesmo. A hiperatenção e a cegueira intencional, permitem-nos obter camadas de conhecimento que vivem na subjetividade do tato. A matéria escolhida para a modelação e para o registo do mapeamento dos dedos sobre a pele é o barro. A escolha do barro prende-se não apenas pelas suas características matéricas mas também com a poesia que lhe é reconhecida. O barro negro é a metáfora da falta de visão, da escuridão em que a artista se encontra enquanto modela. O vídeo é o mediador entre o espaço de intimidade da artista e o espaço público do espetador. O reformular do enquadramento, a decisão de mostrar, por vezes, apenas o movimento das mãos, ou seja, fragmentos do enquadramento original, é o reajustar do foco, no cerne do trabalho. Apesar do registo videográfico ser essencial para a documentação da ação, esta não precisa, segundo a artista, ser apresentada ao espetador de forma crua.
A principal pretensão deste projeto é revelar como o binómio corpo/ consciência (alma), é falacioso, e como corpo e consciência são um só. No entanto, os binómios presentes no projeto, multiplicam-se, corpo/ consciência, íntimo/ público, todo/fragmento, visão/ tato, pensar/ sentir. A pertinência deste projeto reside em evidenciar a capacidade e independência do corpo, em relação à razão para a construção do conhecimento, é recolocar o corpo como eixo do pensar e do sentir.
rotação difusa
esculturas cegas I
(video stills)
[2020-2021]
esculturas cegas I
(video stills)
[2020-2021]
rotação difusa
esculturas cegas II
(video stills)
[2021]
esculturas cegas II
(video stills)
[2021]